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A Supervisão em Psicomotricidade Relacional do CIAR: Espaço de Interlocução e Contenção Afetiva

O presente artigo versa sobre a relevância da Supervisão para a prática do psicomotricista relacional. Aborda definições de diversos autores sobre o assunto, entretanto avança além deste tema, configurando o lugar da Supervisão como espaço de interlocução e cuidado. Mostra que o supervisor contribui com sua co-visão para mapear e dar sentido aos passos do psicomotricista relacional em seu fazer profissional. Mais adiante, esclarece que tanto no campo da Supervisão  como no setting da prática psicomotora a confluência dialética entre a aprendizagem objetiva e subjetiva é constante.  Por fim, ressalta que a formação em Psicomotricidade Relacional do CIAR, privilegia a vivência da pratica profissional supervisionada pela via de um processo progressivo dividido em três fases: Estágio I, Estágio II e Estágio III.
PALAVRAS-CHAVES:  Supervisão, Psicomotricidade Relacional, Estágios.

1.Introdução

A exigência da implicação do corpo do psicomotricista relacional na relação com o outro, a necessidade de afinar a sensibilidade para comunicar-se por meio deste e a importância de fazer leituras dos dizeres corporais inaugura o espaço da Supervisão. Nele o profissional pode se escutar, ver, se ver, ser visto, pensar sobre o vivido e colocar em linguagem o que vive e o que, muitas vezes, é da ordem do inominável. O corpo-sujeito é colocado no centro das formulações e das reformulações teóricas e se faz progressivamente mais presente na prática, para que, a partir deste lugar, o profissional, em suas relações com o espaço, com o tempo, com os objetos, com o outro, com os outros e consigo encontre o sentido, no dialogo tônico, do que vive e do que sente. Por esta razão, a prática do psicomotricista relacional necessita de um lugar de interlocução, para tomar consciência de que aquele que intervém também é alvo da intervenção do outro, estando um no lugar do profissional e o outro no lugar do cliente. (VIEIRA, GUERRA e BATISTA, 2010).
A Supervisão porém, se configura como um conjunto de práticas diferentes não-codificadas, por não possuir um campo teórico suficiente para explicitar sua metodologia e funcionamento. Este fato tem como implicação uma falta de consenso, ao nível de um conjunto de premissas comuns aos supervisores. (Goldenberg, 2007, referido por Duvidovich e Goldenberg, 2007).
Para além disso, a literatura denuncia a ausência de pesquisas sobre a Supervisão em Psicomotricidade Relacional que possam então responder às dúvidas que surgem neste campo.
Nesse sentido, a discussão aqui apresentada deve ser compreendida como um convite ao questionamento daquilo que pertence ao campo da Supervisão em Psicomotricidade Relacional como um campo formativo e de interlocução importante para apropriação e cuidado das ferramentas de trabalho dessa prática.

2.A Supervisão em Psicomotricidade Relacional

Consoante Araújo (1985, p.36), a Supervisão caracteriza-se por:
um processo através do qual uma pessoa com os devidos conhecimentos e experiências assume a responsabilidade de transmiti-las a outra pessoa que não os possua. (…) A Supervisão implica uma ampla variedade de atividades, requerendo um profissional bem formado, competente e experiente.
Alarcão e Tavares (2003), porém, discordam da visão de Araújo e observam que a Supervisão, que normalmente era associada à autoridade, chefia e gestão tem significação diferente. Ela corresponde mais a um processo em que um profissional experiente, orienta um outro profissional ou aluno no seu desenvolvimento humano e profissional.
Barber e Norman (1987, citados por Abreu, 2002) concordam com os autores supra citados ao afirmarem que a supervisão é um processo interpessoal no qual um profissional experiente ajuda um formando, a alcançar capacidades profissionais apropriadas para o seu desempenho, e ao mesmo tempo, lhe dá confiança e apoio.
Da mesma opinião é Oliveira-Formosinho (2002, p.12) que ressalta:
A supervisão reconceptualizada desenvolve-se e reconstrói-se, coloca-se em papel de apoio e não de inspecção, de escuta e não de definição prévia, de colaboração activa em metas acordadas através de contratualização, de envolvimento na acção educativa quotidiana (através de pesquisa cooperada), de experimentação reflectida através da acção que procura responder ao problema identificado.
Almeida (2006, p.38) entende a Supervisão como “um momento privilegiado de aprendizagem e onde se pretende que o aluno desenvolva competências de acção em situações reais, mas também competências meta-reflexivas que lhes permita transformar a experiência em aprendizagem”.
Neste sentido, buscando amparo na perspectiva fenomenográfica, verifica-se que a prática da supervisão em Psicomotricidade relacional acolhe a crença na assunção do conhecimento a partir do interior e não do exterior.  A fenomenografia objetiva averiguar a experiência que os sujeitos possuem na e da realidade, a experiência vivida e o modo como representam os fenômenos. (Marton e Booth, 1997).
Sob essa ótica, observa-se que supervisionar a prática Psicomotora Relacional desenvolvida pelo Centro Internacional de Análise Relacional – CIAR, implica orientar  e apoiar os alunos e profissionais no exercício desta prática, conservando-se o seu eixo norteador  e oferecendo-se contenção às angústias decorrentes da implicação direta do corpo na intervenção ao se privilegiar a comunicação tônica. Dessa forma preserva-se a capacidade de estar disponível corporalmente no encontro com o outro e de ampliar a destreza e a criatividade imbuídas na articulação entre o saber prático, o saber teórico e a sensibilidade pessoal adquirida com a vivência no investimento formativo pessoal.
Nesse sentido, o objetivo da Supervisão é consolidar essa rede, através do olhar do outro, pelo e com o outro, levando em conta a singularidade dos sujeitos e da situação em questão, ampliando possibilidades de aperfeiçoamento e reparação de intervenções decorrentes de uma prática em que tudo, no setting de atendimento, assume valor simbólico,  às vezes visível e consciente, porém outras vezes invisível e inconsciente para os envolvidos na situação sejam profissionais ou  clientes. O que parece não ter importância está, na maioria das vezes, carregado de significados simbólicos.  (GUERRA, 2006).
Por consequência, preserva a função formativa, ou seja, não é concebida e praticada como lugar de transmissão de conhecimento, nem de ensino de uma forma de trabalhar, mas como oportunidade favorável para desenvolver um instrumento dentro de uma visão formativa e não de treino. A Supervisão promove expansão e integração da personalidade do supervisionando, criando brechas para que possam emergir sua subjetividade e criatividade (Frochtengarten, 2007, como citado em Duvidovich & Goldenberg, 2007).
A Supervisão em Psicomotricidade Relacional coloca em evidência as potencialidades e limites do profissional. O simbolismo da ação, o linguajar gestual e tônico carregados de emoção expõem verdades internas que são confirmadas e afirmadas diante do outro, mas que podem também revelar e ou causar algumas feridas narcísicas. O outro, diante do qual se desenrola e se descortina esse processo, é a figura do supervisor. Acolher é sua tarefa principal. O olhar do supervisor ampara, potencializa, às vezes fere, mas, acima de tudo, cuida. Ajudar o outro a perceber o invisível é uma tarefa delicada. (GUERRA, 2006).
Seguindo estes pressupostos o encontro supervisor e supervisionando,  na formação da curso de Psicomotricidade Relacional CIAR/FAP, acontece por meio de um processo modular vivido em três fases:  Estágio I, Estágio II e Estágio III.
Estes Estágios na formação do Psicomotricista relacional acompanham a prática profissional nascente pela via da Supervisão e tem por finalidade sensibilizar a escuta corporal  do profissional no trabalho direto com as crianças e com os adolescentes. Pretende ainda que o formando desenvolva a capacidade de decodificar as mensagens tônicas do outro.
Lapierre e Aucouturier (1984, p.4) ressaltam que os Estágios Supervisionados permitem evidenciar os fantasmas corporais próprios ao adulto, com os quais esse último vai encontrar a criança, o que é de capital importância mormente porque “(…) a atitude da criança frente ao corpo do adulto nos aparece freqüentemente como uma reação aos fantasmas que ele projeta sobre ela”. Consoante Lapierre, A. & Lapierre A. (2002, p.162), “a Psicomotricidade Relacional é uma verdadeira formação para a relação não verbal e para seu conteúdo simbólico”.

3.Considerações Finais

Os supervisores testemunham, validam e reconhecem a atuação corporal conquistada na Formação Pessoal e na prática profissional. O reconhecimento é um processo contínuo que acontece nos seminários, nas reuniões científicas e nos grupos de Supervisão. A participação nestas atividades institucionais, pouco a pouco, transforma questões insuficientemente elaboradas, em forças criadoras e produtivas para aperfeiçoamento da intervenção profissional e da construção do conhecimento.
Neste contexto considera-se a formação em Psicomotricidade Relacional complexa e valoriza-se o processo permanente de aprendizagem, uma vez que possibilita experiências e vivências pessoais nas quais o sujeito confronta-se com os próprios erros e aprende com eles. Dessa forma cria, experimenta e constrói o modelo pessoal de atuação, fruto de sua história de vida e de caminhos percorridos sob as possibilidades e mecanismos de relação consigo, com o outro e com os objetos. (VIEIRA, BATISTA E DANYALGIL, 2010).
 

Referências

  • ABREU, W. (2002). Supervisão Clínica em Enfermagem: Pensar as Práticas, Gerir a Formação e Promover a Qualidade. Sinais Vitais, 45, 53-57.
  • ALARCÃO, I., & TAVARES, J. (2003). Supervisão da Prática Pedagógica: uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Almedina.
  • ALMEIDA, Teresa Maria Reis Teixeira de. (2006). Contributo da supervisão na gestão do stresse dos alunos em ensino clínico. Dissertação de Mestrado, Universidade de Aveiro, Portugal. Recuperado em 22 de março, 2009, da Biblioteca on line, http://biblioteca.sinbad.ua.pt/teses.
  • ARAÚJO, J. E. de S. S. (1985). Formação do psicólogo e o estágio supervisionado: um estudo comparativo conduzido pelo IPE. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.
  • CARVALHO, Uyratan. (2004). Silva de. A supervisão psicanalítica – contribuições teóricas e práticas. São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • DUVIDOVICH, Ernesto e GOLDENBERG Ricardo. (2007). A Supervisão na Clínica Psicanalítica.  São Paulo.  Via Lettera e CEP.
  • GUERRA, Ana Elizabeth Luz. (2006). Apostila do curso de Formação em Supervisores de Psicomotricidade Relacional. FAP – Faculdade de Artes do Paraná – Brasil e CIAR – Centro Internacional de Análise Relacional – Curitiba, Brasil.
  • LAPIERRE, André & LAPIERRE, Anne. (2002). O adulto diante da criança de 0 a 3 anos – psicomotricidade relacional e formação da personalidade. Curitiba: UFPR & CIAR.
  • LAPIERRE, André & AUCOUTURIER, Bernard. (1984). Fantasmas Corporais. Porto Alegre: Monole.
  • MARTON, F; BOOTH, S. 1997. Learning and awareness. Mahwah: Lawrence Erlbaum.
  • OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (2002). A Supervisão na Formação de Professores II. A Organização à Pessoa. Porto: Porto Editora.
  • VIERA, José Leopoldo, GUERRA, Ana Elizabeth Luz, BATISTA, Maria Isabel Bellaguarda. (2007). Apostila do curso de decodificação em Psicomotricidade Relacional. CIAR – Centro Internacional de Análise Relacional – Curitiba, Brasil.
  • VIERA, José Leopoldo, Luz, BATISTA, Maria Isabel Bellaguarda, Danialgyl Jr., Ibrahim. (2010) A Formação em Psicomotricidade Relacional. Revista Mosaico (no prelo). Rio de Janeiro.

 

AUTORES

Ana Elizabeth Luz Guerra
Mestre em Psicomotricidade Relacional pela Universidade de Évora, Portugal. Psicóloga, Engenheira Química, Especialista em Psicomotricidade Relacional pelo CIAR Curitiba (Centro Internacional de Análise Relacional). Atua como Psicomotricista Relacional no contexto clínico. Supervisora de Estágio no Curso de Formação Especializada em Psicomotricidade Relacional do CIAR Curitiba. Supervisora de Estágio do curso de Mestrado em Psicomotricidade Relacional, da Universidade de Évora, Portugal. Supervisora de Psicomotricidade Relacional nas áreas clínica e escolar. Formadora de Supervisores em Psicomotricidade Relacional.
 
Maria Isabel Batista Bellaguarda
Doctor Honoris Causa  em Psicomotricidade Relacional e Análise Corporal da Relação – Associação Brasileira de Medicina Psicossomática/DF. Especialista Pós-Graduada em Psicomotricidade Relacional – CIAR/ FAP; Analista Corporal da Relação – CIAR; Psicóloga Clínica; Formadora Pessoal, Supervisora de Estágio e Professora do Curso de Pós-Graduação em Psicomotricidade Relacional do CIAR; Sócia da Sociedade Internacional de Análise Corporal da Relação – SIAC América do Sul; Sócia da Associação Brasileira de Psicomotricidade Relacional – ABPR; Sócia Titular da Sociedade Brasileira de Psicomotricidade – SBP; Sócia da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática do Distrito Federal – ABMP/DF.[pb_builder]

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