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Tensões psíquicas são liberadas no brincar, diz o pai da Psicomotricidade Relacional

O pai da Psicomotricidade Relacional esteve na semana passada em Fortaleza. André Lapierre, 80, diz ter feito com essa viagem sua despedida do Brasil, aproveitando o ensejo da realização do Congresso de Psicomotricidade Relacional, na semana anterior, em São Luís, Maranhão. Ele acredita que está na hora de parar e passar o bastão adiante, aos profissionais mais jovens que ajudou a formar. Sua filha, Anne Lapierre, no entanto, é uma das continuadoras de seu trabalho.

Na cidade, Lapierre não só veio apresentar alguns resultados dos trabalhos desenvolvidos por ele nos últimos anos (dentre eles, os cuidados com a psicomotricidade relacional que ajudaram a retirar uma criança de 12 meses de um quadro psicótico), mas também conversar com pais, educadores e a imprensa sobre um tema do qual é apaixonado e que acabou se transformando em livro: ‘‘O adulto frente à criança.’’

Uma palavra seria capaz de resumir a figura de André Lapierre: simplicidade. E é exatamente com essa postura que ele se coloca diante das pessoas, do mundo e das próprias crianças, não como alguém que vai tentar ‘curar’ o outro, mas que vai facilitar os processos de transformação, através de uma comunicação profunda que envolve o toque, os jogos, o brincar, enfim, acordar o corpo para o movimento, para o prazer de viver.
Lapierre nunca esqueceu de salientar a máxima da psicomotricidade relacional: movimento é vida e vida é relação. E foi justamente na compreensão dos significados e simbolismos contidos nestes movimentos e nas interações humanas (o eu e o outro), que o fisioterapeuta francês estruturou essa forma interessante de abordagem sobre o ser humano.
O adulto tem em suas próprias vivências, segundo André Lapierre, referências significativas para estabelecer uma comunicação verdadeira com a criança. Aquele indivíduo que tem dificuldade em lidar com uma criança pequena, por exemplo, impondo-lhe limites corretos foi com certeza uma criança que não conseguiu lidar bem com as frustrações.
Para o especialista, quer queira ou não, o adulto terá que reviver os conflitos de sua própria infância para tentar superá-los. Esse reviver pode se dar de forma inconsciente, através das relações que estabelece em sua família, trabalho, círculo de convívio social, ou de forma consciente, quando ele se dá conta de que os outros apenas espelham o que o seu inconsciente carreia desde a mais tenra idade.
Por isso, para ele, o profissional que resolve atuar com a psicomotricidade relacional deve, antes de mais nada, investir em seu trabalho interior de auto-conhecimento. Só assim ele terá condições de dar conta do que vem do outro e poder ajudá-lo verdadeiramente.
A questão dos limites é preponderante na educação moderna, gostam de frizar muitos profissionais, embora não consigam até agora dar conta da dificuldade dos adultos na colocação desse limite. ‘‘A dificuldade está exatamente em saber separar claramente dois momentos para si e para a criança. Como os pequenos são regidos pelo princípio do prazer, o adulto que compreende isso é capaz de brincar e se divertir com eles e, depois disso, pedir-lhes que escovem os dentes para poderem ir dormir.’’
A existência desses dois momentos torna-se fundamental para a colocação dos limites, uma vez que tanto pais como educadores poderão se lançar no movimento, com jogos livres, quando ‘tudo é permitido’ e, em seguida, colocar tranqüilamente o limite.
A percepção da importância de abrir esses espaços para os jogos faz realmente a diferença na educação, diz Lapierre. Porque é nesse tempo e espaço reservado para o brincar que se pode deixar sair os conflitos psíquicos e as tensões, expressas nesse rico universo simbólico, que certamente deve compreendido dentro do campo do possível e do permitido.
E é um momento em que todos – adultos e crianças – realmente se divertem e se reservam para um intenso encontro, afirma.
Vivido esse momento, todos abastecidos com a diversão e expressos os conflitos inconscientes, o adulto traz a criança para a realidade das limitações (escovar os dentes e ir para a cama, por exemplo). Os professores também se beneficiam muito com o universo lúdico e com o movimento, uma vez que quando chamar os pequenos à realidade, para o processo de aprendizagem de conteúdos e tarefas, eles já se encontrarão abastecidos e certamente facilitarão esse contato com o real, porque saberão que podem voltar à fantasia de novo, depois disso.
André Lapierre sempre ressalta que as crianças necessitam muito desses dois momentos, os quais se retirados de suas vidas, acabarão por ser exigidos mais à frente no seu desenvolvimento, ou seja, na adolescência. Adolescentes rebeldes estão totalmente em seus papéis. Eles repetem a birra de auto-afirmação da primeira infância, quando tinham entre 18 meses e dois anos de idade e começavam a dizer os primeiros ‘nãos’.
Nessas duas etapas, os pais e professores costumam ter suas paciências muito testadas, porque tanto o pequenino como o adolescente (este, evidentemente, de forma mais acentuada, por conta da emergência hormonal e da força física) impõem sua individualidade com agressividade. O especialista francês diz que os jogos são maravilhosos para ajudar a liberar as tensões agressivas do dia-a-dia, que se ficarem retidas no inconsciente, se avolumam e tendem a estourar em momentos de violência real.
A agressividade, confirma Lapierre, é uma pulsão vital totalmente normal e positiva que serve para a afirmação da individualidade humana. Ela surge na infância, na denominada fase anal.
‘‘Para o indivíduo afirmar sua individualidade, precisa opor-se a algo que resiste (no caso, os adultos). A trangressão é algo habitual e normal. A crise se resolve quando chega à identificação com a figura parental do seu sexo. Mais adiante, quando se colocar como adulto frente à vida, acaba naturalmente deixando a transgressão.’’
Pais e educadores criticam muito quem oferece arma às crianças pequenas, embora quem vivencia o universo simbólico, segundo o estudioso, dificilmente se envolverá com situações violentas e de guerra quando adulto.
 
A dificuldade dos adultos de imporem limites retrata as dificuldades vivenciadas na infância em aceitar as frustrações e clarificar o viver a fantasia e a realidade.
 
Matéria publicada em 01.12.2002, no site http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=39291[pb_builder]

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